19.4.06

Depois de Rê Bordosa


Riviera, 56, fecha e deixa vazio na Paulista
AFRA BALAZINADA REPORTAGEM LOCAL
MATHEUS PICHONELLICOLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Folha de São Paulo, 19 de abril de 2006

Bar tradicional que já foi freqüentado por estrelas como Chico Buarque e Elis Regina, o Riviera fechou definitivamente suas portas e deixou um vazio numa das esquinas mais importantes de São Paulo, entre a rua da Consolação e a avenida Paulista.
O bar foi despejado do imóvel no número 2.450 há dois meses, por falta de pagamento de aluguel. Os problemas financeiros são um reflexo das mudanças ocorridas ao longo do tempo na área, como a perda de público para bares como os da Vila Madalena e a decadência da região. Segundo o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), que é dono do imóvel, o proprietário do estabelecimento não quitava as cobranças desde 1996.
Mas, em 56 anos de existência, restaram muitas histórias e lendas sobre o Riviera. A personagem Rê-Bordosa, de Angeli, por exemplo, foi inspirada numa freqüentadora do bar. Antes de ser prefeito da cidade, Jânio Quadros foi expulso do lugar pelo dono, Renato Meniscalco. De acordo com o proprietário, Jânio bebeu e arrumou confusão no local.
Mazzola, considerado um dos mais importantes atacantes do Palmeiras, foi parar no Riviera após uma derrota histórica de sua equipe para o Santos, em 1958. Ao chegar ao bar, encontrou justamente os adversários, que comemoravam a vitória. Bebeu cuba libre até de madrugada e só saiu dali com a ajuda do dono. "Lembro que ele chorava muito", disse Meniscalco, em entrevista de 2005.
A figura mais conhecida do Riviera era um garçom. Juvenal Martins, que trabalhou no estabelecimento por 30 anos, é lembrado pelos freqüentadores por sua fama de ranzinza. Numa comunidade em homenagem ao bar no site de relacionamentos Orkut, ele é descrito como "sorumbático". "Vê-lo sorrir era um acontecimento memorável. De poucas palavras, não gostava de conversar com os fregueses, evitava mesmo! Mas tinha um carisma especial. Cativava as pessoas com a sua sisudez", diz uma descrição na comunidade. Martins se aposentou em 1993 e foi morar no interior. Não há notícias dele desde então.
Também era comum as pessoas, na madrugada, subirem às mesas e declamarem poemas. O cineasta José Mojica Marins, 70, o Zé do Caixão, gostava do sanduíche de siri do Riviera. "Não sabia que ia fechar. Estou triste com a notícia", disse ele, que costumava ir ao bar com outros cineastas e também em comemorações de aniversários.
O proprietário, Renato Meniscalco, orgulhava-se de ter convivido com hippies, junkies e grunges sem precisar deixar o balcão. Ele tinha 18 anos quando se mudou a São Paulo com os pais, em 1949. Tocou o bar, junto com a mulher Ivone, até o começo deste ano. Queria deixar o estabelecimento para o filho Yuri, de dez anos. Meniscalco dizia conhecer várias Rê-Bordosas. Algumas voltavam com os filhos para mostrar o lugar onde passaram a juventude. Formado em psicologia, dizia que seu principal consultório eram as mesas de bar.
No cardápio, os lanches tinham nome de artistas. O sanduíche de queijo no pão francês se chamava Hollanda, em homenagem a Chico Buarque. Era vendido a R$ 4. Sá e Guarabira, da canção "Blue Riviera", também foram homenageados. Um dos mais procurados era o Royal, um sanduíche empanado com vários recheios.
Taxistas do ponto chamado Riviera, ao lado do bar, disseram ontem que o local estava muito sujo nos últimos tempos e quase não havia fregueses. Segundo o INSS, o ponto deve ficar desocupado por um longo tempo. O imóvel não será alugado novamente e o mais provável é que seja doado a uma instituição.
A região onde estava localizado o Riviera voltou a ficar mais valorizada com a reforma do cinema Belas Artes, que quase fechou há quatro anos, e com a instalação de um hotel. O outro lado da rua, parte "prensada" pelo sistema viário Rebouças, segue decadente. O arquiteto Roberto Loeb, que participou da reforma do Belas Artes, tem idéias para atrair novamente as pessoas para a região. "Na época da campanha pela manutenção do Belas Artes consegui encontrar interessados no bar. Mas em razão das dívidas fiscais e trabalhistas não foi para a frente". Loeb sugere que a calçada seja decorada com lustres - a rua tem diversas lojas de iluminação- e que a passagem subterrânea existente em frente ao bar e ao cinema seja palco de feiras de livros.
Já na opinião da urbanista Lucila Lacreta, do Movimento Defenda São Paulo, é difícil que o local volte a ser um "point". "A região do Riviera mudou muito, as pessoas conversavam na calçada e havia a característica do ponto de encontro na rua. Em razão do tráfego excessivo, a possibilidade de ficar na calçada acabou", diz.
Em homenagem a este ícone da boêmia paulistana o Blog decreta luto oficial de 3 dias!

3 comentários:

Anônimo disse...

Três dias de luto? E durante esse período não pode beber? Acho q a Re Bordosa nao ia gostar disso.

Comida Honesta (e Desonesta) disse...

luto etílico, a ordem é beber até morrer... estóicosa: morremos pelo nosso bar!

Anônimo disse...

Com uma història tao interessante, que pena que fechou!!!