9.2.07

Comida de resguardo



Nos tempos da minha avó lá “no” Goiás resguardo era coisa séria, tinha para mais de um milhão de precauções a serem tomadas pela mulher parida, como por exemplo, não lavar o cabelo, não deixar os pés descobertos... Entre mitos e verdades, a mulher parida passava por uma série de cuidados para ajudar o organismo a voltar ao seu funcionamento perfeito depois do parto e também para não prejudicar o leite do rebento.

Se por um lado o resguardo significava uma série de senões na vida da mulher, por outro era também um dos raros momentos de descanso, uma pausa na dureza do dia a dia. Em especial quando pensamos no cotidiano de uma mulher na fazenda, matando porco, fazendo lingüiça, queijo, pamonha, quitandas, limpando a casa, acendendo o fogão à lenha, quarando a roupa, ariando as panelas, cuidando dos filhos, ajudando na roça... vixe, que já tô morta de canseira só de pensar...

Grande parte destes cuidados referia-se justamente à alimentação, mas quem pensa que sob este aspecto a mulher parida passava mal e ficava restrita a uns caldos ralos e sem gosto, se enganou redondamente... Todo um repertório de comidinhas era feito especialmente para elas, para restaurar as forças, aumentar o leite e principalmente confortar!

Uma destas comidinhas eu gosto especialmente! Lá “no” Goiás chamamos de Galinha de Parida* e é feita mais ou menos assim:

Refogue em pouquíssimo óleo, cebola, sal e alho, uma galinha caipira inteira**, sem pele e cortada em pedaços. À medida que a carne for grudando na panela junte um pouquinho (coisa de um copo americano) de água, mexa bem desgrudando a carne da panela e espere novamente o líquido secar e a carne grudar e assim vá repetindo a operação até que a galinha fique bronzeada – minha avó chamava este processo de pingar água.

Quando chegar à cor bronze, junte um fundo de ave até cobrir a galinha (aproximadamente dois litros) e deixe cozinhar em fogo baixo até que as carnes comecem a se soltar dos ossos - tem gente que usa a panela de pressão, porque galinha, em geral, é muito mais dura que frango... dureza que é compensada pelo sabor... Eu, como boa goiana, prefiro deixar cozinhar lentamente em panela comum tampada.

Quando a galinha estiver cozida, retire os ossos e deixe as carnes ferverem mais um pouco no caldo, se a quantidade de caldo estiver pouca junte mais fundo. A idéia é ficar um caldo abundante. Quando estiver pronto corrija o sal, junte um maço de cebolinha e salsinha milimetricamente cortados e desligue a panela.

Aí vem o mais legal: em um prato fundo polvilhe um punhado de farinha de milho, um punhado de couve crua finamente picada, e a gema crua de um ovo, despeje sobre este preparado duas conchas generosas do caldo fervendo, que vai cozinhar a gema e a couve... Prontinho, tens uma generosa porção de Galinha de Parida!

Lá “no” Goiás, em lugar de uma gema, usamos os ovinhos que retiramos de dentro da galinha, são redondinhos, só gema e vêem em cachos. Uma belezura em minha opinião, e uma crueldade sem tamanho na opinião de muita gente... Mas o fato é que são deliciosos e quando eu era criança brigava por eles... Como é um ingrediente muito difícil de encontrar por estas bandas de cá, ninguém precisa se avexar se achar cruel comer os danadinhos...

Fala a verdade, dá até vontade de parir pra ser mimada com uma comidinha dessas...

* No Maranhão também fazem uma galinha de parida que se parece sob muitos aspectos com esta receita goiana.
** na falta de galinha caipira faça com galinha de granja mesmo, não é a mesma coisa, mas fica bom também.

Um comentário:

Anônimo disse...

você tem toda razão, dá vontade mesmo de ser bem cuidada numa època tão difícil como o pós parto. Fiz o resguardo a moda antiga e tenho uma saúde invejável. À moda antiga...
As mulheres tinham menos problemas e a comida ...hummmmmmmmmmmm
Agradeço a minha sogra!